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(Quase) todos Hermanos entendem de Malbec

  • Foto do escritor: Sérgio Gadini
    Sérgio Gadini
  • 5 de abr.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 5 de abr.

Andar em Mendoza, Província ao leste da Argentina, na fronteira com o Chile, é um aprendizado, diário ou de poucas horas de conversa, que começa com o respeito à Mãe Terra. A defesa da água como um direito humano é algo surpreendente em qualquer hermana ou hermano da Região, coisa que no maior País ao Sul do Equador ainda se precisa aprender. As valas ou canaletas de pedras nas ruas da capital da Província não são um descaso com saneamento, mas uma técnica de gestão de água que desce da Cordilheira dos Andes pelo degelo, ainda que cada vez menor devido aos efeitos climáticos extremos, que estão integrados em todo planeta.


Dados do clima regional indicam que o índice anual de chuvas é inferior a 200 milímetros e a principal cultura agrícola (comercial e turística) da Província precisa de ao menos 400 ml ano para cultivar a uva ao vinho, ainda preferencialmente o Malbec. Apenas para situar, a média de 200 ml ao ano equivale a um mês de chuva registrada em São Paulo e cerca de 15% do que chove ao ano em Porto Alegre (RS), por exemplo.


E quem planta, cultiva e produz uva Malbec na região? Engana-se quem suspeita que a base é apenas das grandes propriedades rurais, pois é comum conhecer produtor que mantém uma produção própria, seja em feira, armazém ou repassa com a exclusividade de um vinho da casa para restaurante de prestígio no mercado regional e divulgam o trabalho de agricultores que cultivam áreas modestas, que vão de 1, 2 ou 3 hectares. Em pequenas chácaras nos bairros de Mendoza e principalmente nos distritos rurais, é comum a constatação de que moradores cultivam a uva e mantém produções caseiras ou artesanais, que se pode comprar a preços acessíveis (se comparado ao Brasil). Com um detalhe: tudo com a pouca água de que dispõem. A irrigação ocorre por um conhecido sistema já utilizado pelo povo huarpe, no século XV, que construiu extensos canais para as plantações de milho.


Um sítio com espaço equivalente a dois ou três campos de futebol, por exemplo, consegue levar aos moradores e turistas (que não ficam nos roteiros previsíveis e comercializados por investimento midiático) um vinho exclusivo que deixa memória de qualidade aos apreciadores que insistem em andar um pouco para entender a variedade de ofertas disponíveis na Província. Em uma caminhada de final de tarde pelas estradas do Maipu, em janeiro de 2025, surge ao horizonte a Apícola Juricich, pequena propriedade familiar do professor aposentado Juan Marcos Juricich, que trabalhou por décadas em Ciências Agrárias na Universidad Nacional de Cuyo. É o próprio Juricich, descente de migrantes ucranianos, que cultiva a uva e faz o vinho, que revende com outros produtos agrícolas cultivados em poucos hectares de terra na localidade.


No kiosko (é assim que os hermanos chamam as lojinhas que vendem quase tudo em qualquer bairro do País), almacén ou banca de feira, se você perguntar em Mendoza sugestão do que pode acompanhar um vinho regional, o atendente vai te ajudar, não sem antes pedir licença (con permiso) e olhar na tua mão qual o vinho que vais tomar. Daí em diante, agradeça a cordialidade, pois todos mendocinos abrem uma aula básica, dizendo como deves curtir (aprovechalo, pues!) e identificar um bom vinho com técnicas simples e eficientes.


Comece com um gole d'água, antes do primeiro gole do Malbec, que deve rodar na boca até sentir a doçura da uva. Não coma nada, antes de sentir o vinho atravessar o paladar… Qualquer morador da região logo se anima em conversa no mercado ou em qualquer bodega que você visitar: ao ‘rolar’ o vinho pela boca, cada região da língua identifica um sabor ou sensação diferente, que vai do amargo, acidez, doçura ou memória de alguma outra fruta. “Hay que sentir el gusto del vino passeando por la boca”, diz o proprietário de uma mercearia no Lujan de Cuyo, há cerca de 15 de Mendoza, que também cultiva uva Malbec e produz o próprio vinho.


Apresentada como “guardiana del vino eterno”, Mendoza reúne mais de 80% do vinho e 70% de toda produção de uva da Argentina, de acordo com dados da Fiesta Nacional de la Vendimia 2025, organizado pelo governo do local. Das 1.220 bodegas – termo espanhol que se refere a vinícola, armazém, adega ou local de produção de vinhos ou destilados – registradas no País, Mendoza concentra 876 em funcionamento. A região é pólo atrativo de investimento por espanhóis, italianos, franceses, alemães e também brasileiros, que apostam há décadas na cultura do vinho, em especial no Malbec, que concretamente se tornou sinônimo do vinho argentino exportado aos mais diversos países do mundo.


Por consequência, as bodegas são os espaços nobres que levam turistas em todas estações do ano para experimentar o que de melhor a região produz: o Malbec, daí a percepção deste turista-escriba de que praticamente todos hermanos entendem de uva, vinho e derivados.


E, sim, um vinho de reconhecida qualidade remete a um prato, que pode variar de uma carne de primeira (como é o caso dos ‘assados’ deles), passa por um bom queijo e uma azeitona, cada vez mais cultivada em sintonia com o cultivo do Malbec. Mas essa já é uma história para outro texto, por aqui. Inegável é que o Malbec encanta e justifica o fascínio que o tornou um dos produtos com reconhecido valor comercial entre os itens de exportação da argentina aos diversos rincões do globo.


Sérgio Luiz Gadini, professor, visitou a Província de Mendoza em janeiro de 2025, durante as férias de trabalho. E-mail: slgadini@uepg.br





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