O gatekeeper digital impede a reflexão nas redes
- Da redação
- 9 de jun.
- 3 min de leitura
O processo jornalístico sempre esteve às voltas com interferências no fluxo de publicação de informações. Os poderes políticos e económicos sempre estiveram a serviço de um controle às vezes tácito, às vezes descarado, às vezes escondido. Censores físicos, como em caso de regimes ditatoriais, costumavam estar presentes nas redações para impedir esta ou aquela matéria de ser divulgada. Mais recentemente, o algoritmo tornou-se o censor contemporâneo do fazer jornalístico, uma gatekeeper da era digital, onde é ele que determina o conteúdo mais ou menos importante para a sociedade.
O gatekeeper seleciona o que é considerado notícia ou informação relevante, de acordo com critérios como valor-notícia, linha editorial, interesses corporativos, ou simplesmente algoritmos que avaliam o conteúdo. Essa teoria é normalmente aplicada à comunicação de massa, mas também se aplica à comunicação online e digital, onde algoritmos podem funcionar como "porteiros", controlando o que deve ser visto pelas pessoas.
Quem atuou em redações nas décadas de 70 e parte de 80 no Brasil, por exemplo, não se surpreende quando vem à tona histórias de censuras perpetradas dentro do processo jornalístico, até então, analógico. O censor estava lá às ordens do regime ditatorial, lendo as matérias mais polémicas, riscando a caneta ou a lápis os originais e definindo, ele mesmo, qual o conteúdo era mais ou menos importante para a sociedade. Foram períodos difíceis onde a informação foi tratada como moeda de troca para um regime que já chegada em seus estertores.
Paralelo ao poder político, o processo jornalístico sempre enfrentou dificuldades com as necessidades comerciais das empresas de comunicação. Era, e continua sendo, muito comum uma matéria polémica sobre determinado grupo económico ser barrada pelo diretor de redação, quando não pelos próprios donos das empresas. A profissão jornalística lida com profissionais que tentam corajosamente levar uma informação de qualidade para as pessoas mas, em muitos casos, esbarram na falta de ética da corrida pelo lucro dos empresários.
Mais recentemente um novo obstáculo está interferindo fortemente na qualidade de informação divulgada nas redes sociais digitais: o algoritmo. É ele, essa entidade nebulosa e não perceptível a nós, mortais, anda fazendo estragos na produção de conteúdo que poderiam esclarecer a população e tornou-se o gatekeeper da era digital.
O Portal Bem Haja, por exemplo, convive quase que diariamente com esse censor contemporâneo. Sim, porque conteúdos mais sensíveis, como a fome e a matança das crianças e mulheres em Gaza, estão sendo capturadas pelo filtro dos algoritmos: enquanto matérias mais “leves” como as festas de verão em Portugal nadam de braçadas nas visualizações, o tema sensível não atinge a ridículos 5 views. Sim, isso mesmo. O gatekeeper digital evita assuntos polémicos, temas que podem levar reflexão e senso crítico para a sociedade sobre os problemas reais do mundo. Ou seja, tenta manter as pessoas dentro da bolha desinformativa (aliás, essa palavra também é odiada pelo pseudo gatekeeper e certamente irá impedir os views deste texto).
A média de visualização das publicações do Portal Bem Haja no Tik Tok, por exemplo, ronda os 700 views por publicação. Essa média cai drasticamente quando os conteúdos mostram problemas mundiais como guerra no Médio Oriente, fome de crianças em Gaza ou África, denúncias sobre desinformação ou ainda conteúdos mais inclinados a líderes ou partidos de esquerda. A bolha só é furada quando uma tribo ou grupo social consegue mobilizar-se e levar um conteúdo a outra patamar de visualizações, como por exemplo, a marcha LGBTIG+ na Covilhã, que atingiu grandes índices de views. Mas é exceção. Na maioria dos casos, esses conteúdos são barrados pelo gatekeeper digital.
A conclusão disso tudo é que nós, humanos, continuamos a inventar censores, editores, métodos para filtrar e escolher conteúdos. Na lógica económica, é claro. As big techs precisam ver a roda girar. Era assim na era analógica. É assim na era digital. Será assim em outras eras a surgir. Enquanto isso, a sociedade, ávida de informação confiável e ética, continuará sendo impedida de acessar livremente conteúdos que levem à reflexão e senso crítico, tão importantes para mudanças de paradigmas de um mundo tomado por interesses individuais.

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