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Osho e a adolescência

  • Foto do escritor: Marcos Leite
    Marcos Leite
  • 27 de abr.
  • 3 min de leitura

A sabedoria popular sempre soube expressar cenas do quotidiano através dos ditos populares. Sobre a enorme repercussão que causou a Série Adolescência, exibida pela plataforma Netflix, há um provérbio que diz: “Não adianta tapar o sol com a peneira.” Por enquanto, é tudo o que de simples podemos dizer sobre a complexidade da produção que descortinou um mundo que sabíamos da existência, mas que fingíamos não ver.


Toda gente sabe que a adolescência é uma fase complicada. E já que falamos do senso comum, digamos que esta etapa da vida é como uma dor de barriga. Dá e passa, mas dependendo de “como passa”, pode arrastar dramas e problemas para o resto da vida. Mas, o que será que os livros podem nos dizer a respeito disso?


De todos os dilemas que envolvem as descobertas que acompanham a adolescência, a sexualidade é um dos fatores que mais se sobressai. Por sua vez, a necessidade de pertencimento e a troca de experiências pode abranger outros aspectos. Afinal, “ninguém quer estar só.” Esta é uma das falas de Osho, presente na obra «Emoções, um guia para se libertar do medo, da inveja e da raiva», publicado em Portugal pela Editora Pergaminho. O pensador indiano lembra que o medo é um mecanismo presente em nossas vidas. “Não se trata apenas do medo individual, mas também o medo coletivo”, aponta. “Na adolescência vivemos a ruptura da infância para tentar encaixar na vida adulta”. Uma dupla mudança que acomete a todos e, quando operada em silêncio, pode ser ainda mais difícil.


Quando eu crescer eu quero ser…

Quem nunca ouviu esta expressão? Enquanto somos crianças, nossa criatividade costuma dar pistas sobre os nossos propósitos de vida. Segundo Osho, é quando entramos na adolescência que passamos a vivenciar o medo coletivo e a vivência em grupo pode ser a grande causadora do afastamento que vivemos da nossa própria essência. Para piorar este cenário, Osho descreve que a sociedade, a cultura, a religião e a educação conspiram contra a inocência das crianças. A influência desses meios impede que muitos indivíduos se desenvolvam em harmonia com seus destinos naturais.


Por falar em meio social, são justamente as redes e as mídias - os meios, por assim dizer - os principais mecanismos responsáveis pelo desacerto na vida de nossas crianças. Osho entende que a sociedade as molda por meio de um “formato de utilidade”. Algo bem marcado na série Adolescência. Para o autor, “numa certa medida, a utilidade aniquila a alma da criança e lhe atribui uma falsa identidade, de forma que ela sequer sinta falta de sua alma”. No entanto, “a identidade substituta apenas é útil no contexto do grupo”, refere Osho. Assim, no momento em que a criança se vê só, sem companhia, o que nela é falso começa a desmoronar-se.


Nos anos 80, quando fui adolescente, os pais tinham dois medos básicos com relação aos filhos: as drogas e a gravidez. Mesmo assim, era comum haver jovens drogados e mães adolescentes (quando os pais não recorriam a eventos de interrupção da gestação). Todavia, a vida de verdade acontecia fora de casa e nunca dentro do quarto. Mas o tempo passou e os problemas são tão novos quanto as tecnologias. Os jovens daquela época são os pais de hoje. Acreditam que a receita para manter os filhos longe das drogas e dos prazeres do sexo seja proporcionando um confortável quarto com acesso à internet. Na actualidade, a droga passou a ser a conectividade, enquanto a expressão da sexualidade acaba por se moldar com base naquilo que acessam em seus modernos telemóveis.


É bom que a série tenha acordado a opinião pública para o problema, especialmente os pais medrosos, que imaginam no conforto de casa, o ambiente seguro para os filhos. Lamentavelmente, esse caminho perigoso começa desde cedo, quando num simples almoço decidem calar os filhos com uma tela, já desde a tenra idade. Agem assim para desfrutarem de suas refeições tranquilamente. Há portanto uma lacuna geracional. Constantemente cansados de correr atrás do estilo de vida e dos prazeres do consumo coletivo, os pais sucumbem por não terem tempo e dar atenção, tanto à infância, quanto à adolescência de seus filhos. O resultado aí está. Ao removermos a peneira, damo-nos conta dos estragos que o sol fez à sombra de nosso descuido e, algumas marcas, ficam para sempre.

 

Marcos Leite, cronista


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