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Não existe praça, mas posto de cobrança em pedágio rodoviário

  • Da redação
  • 4 de mai.
  • 4 min de leitura

No Brasil, convencionou-se nomear de praça os locais de cobrança de pedágio rodoviário, a tal ponto que quase se naturalizou que os locais de catracas poderiam, talvez, ser menos traumáticos que a simples criação de um ponto de cobrança obrigatória para liberar passagem a um veículo automotor.


E o que isso pode preocupar? Trata-se de uma reflexão necessária, que aqui se coloca para respeitar um sentido público secular do que se entende por praça ao longo da história do Brasil e que também diz respeito às estratégias de renomear certas coisas para ressignificar impactos sociais no imaginário de quem paga a conta, ou seja, a maioria da população.


Mas o que as catracas de cobrança de pedágio teriam, efetivamente, como característica de praças? Nada. Simples, assim. A não ser que se aceite como razoável nomear três ou quatro catracas de cobrança por algo equivalente a espaço público. E, neste caso, qualquer armazém, bar de esquina ou loja de conveniência passe a ser nomeada da mesma força: praça de amplo e irrestrito acesso, capaz de funcionar como local de sociabilidade, lazer ou descontração. O que, francamente, não parece nada razoável inverter, brusca e descaradamente, o que se entende por praça pública em qualquer um dos mais de 5,5 mil municípios existentes no Brasil.


Algumas referências de legislação em vigor no País podem auxiliar no diálogo e compreensão. A lei municipal Nº 16.212 (de 10/06/2025) em São Paulo define, textualmente, que compreende-se como praça “um espaço público urbano, ajardinado ou não, que propicie lazer, convivência e recreação para a população, cumprindo uma função socioambiental”. E o parágrafo único da mesma lei complementa que “as praças integram o Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres previsto no Plano Diretor Estratégico”.


Em um conceito amplo e até genérico, entende-se por praça (platea, do latim, em referência a espaço plano ou largo sem oscilações de relevo geográfico) qualquer espaço público urbano, com pouca ou nenhuma construção, que possibilite a circulação, convivência ou exercício de lazer e atividades recreativas com acesso aberto e sem restrição aos usuários. Existem, obviamente, adaptações e características locais ou regionais ao que se faz e como se utiliza um espaço de praça pública no País em sintonia com o clima predominante, práticas e hábitos culturais de moradores ou visitantes.


Praças caracterizam, ainda, “uma tipologia decorrente da cultura urbana de origem europeia, e que está associada à imagem de espaço livre, cercado de edificações”, explica Vivian Ecker (2020). “São espaços públicos presentes em muitas cidades, desde as suas origens, e possuem qualidades arquitetônicas e paisagísticas que lhes denotam a característica de espaço de convergência e centralidade”, completa a autora.


“A praça representa no espaço urbano brasileiro, desde o período colonial até a contemporaneidade, marcada pela expressividade do privado sobre o público, do individual sobre o coletivo e, do concreto sobre o ‘verde’, explica Marcos Gomes (2007; p.101). É na mesma perspectiva – continua Gomes - que “as praças são vistas como espaços livres potenciais para compor o sistema de áreas verdes urbanas e, consequentemente, como área de lazer importante, principalmente para os grupos de menor poder aquisitivo da sociedade urbana brasileira”.


Ao que tudo indica, os esforços (e marketing da renomeação) não surgiram de modo aleatório, pois tem uma história também política e econômica no Brasil. O programa de privatização de serviços públicos no Brasil, implantado a partir de 1994, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), incluiu a “exploração de rodovias, mediante a cobrança de pedágio”. Pronto! Daí em diante, surgiu uma ‘febre’ e motivação para qualquer governo privatista local ou regional, que buscava se livrar de responsabilidades constitucionais para repassar aos grupos privados que, em troca, assumem a gestão via cobrança de tarifas ou pedágios diretamente dos contribuintes.


Em alguns casos, o descontrole chegou a tal ponto que custeou imoral e ilegalmente campanhas eleitorais através de lavagem de dinheiro em negociatas, via aditivos contratuais, que isentavam operadoras de executar obras ou prometiam renovação de contrato em troca do financiamento à reeleição de grupos governistas, de acordo com investigação e denúncia do Ministério Público Federal no Paraná. “Esquema desviou dinheiro de tarifas de pedágio e alterou custos para justificar cobrança no Paraná, diz MPF”, informou a RPC TV, em 26/02/2018. Pela apuração, a “Econorte e a subsidiária Rio Tibagi contrataram serviços superfaturados ou que nunca foram prestados por empresas de fachada para remunerar agentes públicos e outros envolvidos, apontaram as investigações da 48ª fase da Operação Lava Jato”. Como se vê, não foi pouca coisa que o pedagio rodoviário gerou no Estado, pois a condenação final do processo, alguns depois, confirmou a série de denúncias de má gestão, desvio de recursos públicos e benefício de grupos que controlaram a política regional por mais de uma dećada.


Mas, o que se entende por praça de pedágio? A legislação vigente no estado de São Paulo diz que “praça de pedágio é o conjunto de dependências onde funciona um sistema organizado de serviço de pedágio em determinado ponto da rodovia” (https://www.al.sp.gov.br/spl/2019/09/Acessorio/1000289108_1000304464_Acessorio.pdf).


Em Portugal, para ficar em um país que tem a mesma referência gramatical que o Brasil, o mesmo local da cobrança de pedágio rodoviário é nomeado como ‘portagem’ e, pois, nada de praça, como se tenta emplacar a nomeação simpática à naturalização da dupla cobrança por um serviço que já tem rubricas seculares no orçamento da gestão pública por aqui.


O que se pode sugerir, aqui? Talvez, que a clareza informativa comece com profissionais da mídia em atentar para o uso (inadequado e descontextualizado) de nomear por praça um local que concentra as catracas de cobrança em pedágio rodoviário nas mais diversas regiões e estados do Brasil. Pode ser pouco, mas o desafio é um esforço para evitar riscos de desinformação, que neste caso beneficia os grupos empresariais que vivem (e lucram bem) às custas de elevadas tarifas de um serviço que deveria, ao menos, ser constante e cuidadosamente fiscalizado pela ação do Estado através de gestores públicos eleitos para a devida função constitucional: fiscalizar o uso e destino do dinheiro pago pelo contribuinte. É a modesta sugestão da semana, por aqui!

 

Sérgio Gadini é professor e investigador da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Brasil.

 

 

Referências: 

ECKER, Vivian Dall’Igna. “O conceito de praça e a qualidade da paisagem urbana”. In: Revista Projetar. V. 5, Nº 1 (2020). Disponível em https://periodicos.ufrn.br/revprojetar/article/view/19559


GOMES, Marcos A. S. “De largo a jardim: praças públicas no Brasil”. In: Estudos Geográficos. Rio Claro, UNESP, 5(1): 101-120, 2007. Disponível em http://cecemca.rc.unesp.br/ojs/index.php/estgeo




 

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