Casal brasileiro perde guarda dos filhos e faz denúncia
- Da redação
- 23 de mar.
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Atualizado: 27 de mar.
No próximo dia 11 de abril Maria Luiza estará completando 9 de anos de idade. Os pais, Carlos Alberto Marques Ferreira Júnior e Ana Carolina Archangelo já preparavam a comemoração mas, na quinta-feira (20), tiveram a filha e o outro filho, Carlos, retirados da escola e levados para uma instituição do Estado. “Só descobrimos, depois, no processo, os motivos que eles foram retirados da família. E até agora não sabemos onde eles estão”, explicou o pai.
Carlos Alberto, 33 anos, e Ana Carolina, 25, vieram para Portugal há cinco anos. Trouxeram os filhos pequenos, Maria Luiza e Carlos, agora com 8 e 6 anos respetivamente. Residentes em São Pedro do Sul, região da Beira Alta, centro de Portugal, trabalham como tatuadores. Enquanto trabalhavam, os filhos permaneciam na escola. De 2023 para cá, começaram a ser inqueridos pela diretora sobre o comportamento dos filhos. “Disseram que o Carlos aparentava cansaço, sempre estava com sono”, conta o pai.
Não demorou muito para a escola repassar o caso para a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CPCJ). “Eles começaram a marcar reuniões com assistentes sociais e com a escola. Mas em algumas delas não podíamos comparecer, porque trabalhamos. E isso foi interpretado como negligência”, recorda Carlos Alberto. “Eles geram um problema para depois responsabilizar os pais. Foi isso que aconteceu. É uma máfia, que atua na escola e depois segue para o CPCJ”, reclama o pai.
Entre os motivos para a perda da guarda dos filhos, estão as seguidas faltas na escola e ausência de acompanhamento nas tarefas escolares. Também a alegada “indisponibilidade” dos pais para as reuniões convocadas teria impossibilitado, por parte do CPCJ, a avaliação das condições de vida familiar das crianças. Diz o documento que “Maria Luiza apresenta sinais de cansaço e Carlos adormece na escola, situações que indicam a contínua ausência de adequadas condições de descanso/rotinas de sono ou a eventual exposição a outras situações, com o grave perigo para o bem estar”.
Os pais estão desesperados com a situação. “Não vemos nossos filhos há cinco dias. Não temos nenhuma notícia deles”, acrescenta Carlos Alberto. Ele reclama que, em nenhum momento, foi alertado que poderia perder a guarda dos filhos por problemas que considera pequenos, como falta às aulas. “Nada, nenhum alerta. Os motivos da perda da guarda só descobrimos quando tivemos acesso ao processo”, diz. A família já recorreu ao consulado brasileiro em Portugal para tentar reverter a decisão do CPCJ.
Crianças institucionalizadas
Segundo a Unicef, Portugal é o país com mais crianças institucionalizadas – ou seja, internas em instituições de acolhimento– entre 40 países na Europa e na Ásia Central. O País tem a maior taxa de crianças em unidades de acolhimento: são 294 por cada 100 mil, o que corresponde ao triplo da média mundial. “As crianças são institucionalizadas. E as escolas que recebem essas crianças institucionalizadas ganham recursos do governo”, diz a influenciadora brasileira Cris Azen, que também teve problemas com seus filhos.
Para não perder a guarda, ela e o marido foram obrigados a voltar para o Brasil às pressas. Certo dia, ela recebeu uma carta da escola informando que a família seria investigada por supostamente colocar a filha de 9 anos em situação de risco. No dia seguinte, o casal e as duas filhas percorreram de carro alugado 360 km entre Braga e Lisboa, e abandonaram Portugal. Deixaram para trás um apartamento recém-comprado, móveis e roupas de inverno. “Foi uma decisão rápida, já que poderíamos ter perdido a guarda dos nossos filhos”, conta.
Apesar de também as famílias portuguesas serem atingidas pelos critérios utilizados pela CPCJ na retirada da guarda das crianças, imigrantes – principalmente brasileiros - estão sendo atingidos em cheio por essas determinações. Negligência no trato das crianças e até faltas repetidas na escola são motivos para a perda da guarda, embora os problemas mais graves sejam violência doméstica entre os pais e violência contra a própria criança.
Segundo o Relatório Casa emitido pela Segurança Social, em 2023, das 6.446 crianças e jovens acolhidas, 5.563 tinham nacionalidade portuguesa e 883 tinham outras nacionalidades, representando 14% da população acolhida no âmbito do Sistema de acolhimento. A origem brasileira é das mais atingidas, com 17,8% de todos os casos de estrangeiros, seguido pela Guiné-Bissau com 13,7%, tendo-se verificado um aumento de 2,78% das crianças e jovens com nacionalidade brasileira no ano do levantamento.
Outro dado que chama a atenção é a idade das crianças que vão para as instituições de acolhimento. Mais de 40% têm menos de cinco anos, sendo que predominam meninos (56%). O maior acréscimo verifica-se na faixa etária dos 0 aos 5 anos, sobretudo pelo aumento de número de acolhimentos em famílias recentemente certificadas pelo governo.
Aspeto cultural
A questão cultural é importante para entender o fenómeno. Brasileiros que chegam a Portugal com filhos muitas vezes não entendem o rigor com que os direitos das crianças são tratados. É falta grave, por exemplo, a criança faltar à escola e não haver justificativa para isso por parte dos pais. A negligência por parte dos pais em relação aos filhos também é uma falta grave.
Segundo a advogada Jacqueline Jabour, os processos de promoção e proteção, chamados de PPP, são pouco divulgados. "As famílias acabam tomando conhecimento da existência dessa lei e das CPCJs quando já estão diante de uma denúncia", explica. "Os pais precisam estar cientes dos seus deveres e direitos relativamente à vida familiar e aos seus filhos, principalmente os pais estrangeiros". Ela lembra também que um dos princípios do PPP é justamente o da "intervenção mínima" e da "proporcionalidade". "É, portanto, possível e esperado que as situações se revertam e a criança retorne ao convívio familiar original", completa.
Recentemente um casal de brasileiros tirou férias e decidiu passar dois meses fora de Portugal. Mas, para isso, deixou seus dois filhos adolescente sozinhos em casa. A escola descobriu o fato, depois de um atraso de um dos meninos, e acionou o CPCJ. Os pais perderam a guarda dos filhos e o processo encontra-se na justiça. “Muitas vezes, os pais passam quatro, cinco anos longe dos filhos. E, às vezes voltam a ficar perto só depois de completarem 18 anos”, explica Cris Zen.
A brasileira Simone Bergamin, especialista em imigração, passou por situação semelhante. “Quase perdi a guarda de meus filhos. A CPCJ é um órgão que cuida e protege as crianças, e entendo isso como positivo”, reconhece ela, lembrando que muitas vezes a criança corre risco de vida dentro da própria casa, por causa da violência ou abuso. “Eles agem rápido para proteger a criança. Sou a favor dos métodos utilizados”, confessa.
Mas ela foi quase atingida por esse rigor. Um dos seus filhos, quando adolescente, terminou o 10º ano e, por não estar satisfeito com as notas gerais, decidiu repetir o ano letivo para melhorar a média. “Ele decidiu fazer o ano novamente, só que desta vez no ensino técnico. Mas não levou muito a sério, começou a relaxar, teve muitas faltas”, conta ela. Dez dias antes do fim do ano letivo, o adolescente viajou para o Brasil, para passar as férias com o pai. “A escola comunicou ao CPCJ que ele não estava frequentando as aulas”, recorda a mãe.
“Fui até a CPCJ e expliquei a situação. Disseram para que eu voltar lá com meu filho, no retorno dele do Brasil”, lembra ela. Quando isso aconteceu, o técnico foi claro quanto à negligência dos pais ao não acompanhar a trajetória escolar do filho. “Disseram que isso não poderia ter acontecido e que iriam monitorar de perto a situação do meu filho, que já estava matriculado em outra escola. Informaram também que visitariam minha casa para ver as condições”, completa Simone.
Acompanhamento rigoroso
Segundo Relatório Anual de Avaliação da Atividade 2022 do CPCJ, ano do último relatório disponível, foram acompanhadas 74.191 crianças e jovens em risco. Destas, 28.396 tiveram processo de promoção e proteção instruído no ano com medida aplicada. Tal como nos anos anteriores, prevaleceram as medidas “Apoio Junto dos Pais” e “Apoio Junto de Outro Familiar”. Nestes casos, os menores não são retirados das famílias, mas estas têm acompanhamento por parte das autoridades competentes. Mas, segundo o relatório, 11,1% das crianças e jovens seguidos pelas CPCJ foram alvo de medidas de colocação, que implicam a retirada das famílias de origem.
No entanto, a larga maioria das crianças retiradas às famílias (97%) vive em instituições de acolhimento em Portugal, o que vai contra a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas. Segundo a Unicef está previsto que todas as crianças com menos de seis anos devem ser acolhidas em famílias.
Em Portugal, apenas 3% vivem em famílias de acolhimento.
O órgão das Nações Unidas explica que os países que ratificam a Convenção sobre os Direitos da Criança têm que submeter relatórios detalhados a cada cinco anos sobre a situação dos direitos das crianças no seu país. Recentemente foi alterada a lei portuguesa que estabelece o regime de execução do acolhimento familiar, enquanto medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em perigo.

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