“Deus, pátria e família” nunca mais
- Da redação
- 11 de abr.
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Atualizado: 11 de abr.
Portugal viveu 48 longos anos de um inverno tenebroso de repressão, tortura e mortes. Em 1926, um golpe liderado pelo general Gomes da Costa estabeleceu uma ditadura e, dois anos depois, foi nomeado como ministro das Finanças aquele que pretendia perpetuar o regime: António de Oliveira Salazar. Covilhã não esteve alheia às lutas pela liberdade nesse tempo. Cidade operária, com forte mobilização trabalhadora, lutou por anos para consolidar a resistência contra o governo instaurado. Muitos foram presos, torturados, como José António Pinho, que agora escreve um livro onde conta a própria história e a formação da resistência na Covilhã. É um ato de justiça aos 510 presos políticos pelo regime na cidade, muitos deles esquecidos pela história.
Em 1933 a Constituição Portuguesa foi proclamada, dando início ao Estado Novo, um regime político de cariz ditatorial, autoritário, que rapidamente espelhou no país os métodos dos regimes fascistas de Benito Mussolini e Adolfo Hitler. O modelo foi importado das ditaduras vizinhas para mapear o caminho para a “nova” política em Portugal, onde destacava-se um poder exercido de cima para baixo, onde só um partido passou a ser permitido. A União Nacional adotou o slogan tão caro aos fascistas: Deus, pátria e família.
Nesse contexto foi criada a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), responsável por centralizar a investigação, captura, prisão, tortura e mortes durante o regime ditatorial. “O Estado Novo tentou formatar a sociedade portuguesa nos ideais fascizantes do Estado Novo, quando principiou a criação da censura em todos os meios de informação, a par de organizações culturais, desportivas e repressivas”, escreve Pinho em seu livro.
Uma dessas instituições foi a Mocidade Portuguesa. Nos desfiles de cerimónias oficiais, entoavam “Quem manda? Quem manda? Salazar! Salazar!” A Mocidade abrangia muitas atividades desportivas e militares sempre com intuito de devoção à pátria, ao sentimento de ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar. “Integrada na Mocidade Portuguesa foi criada a milícia, em 1936. Era obrigatória para jovens a partir dos 17 anos. Nesse mesmo ano foi instituída a Legião Portuguesa, dotada de serviços de informação, de brigadas automóvel e naval e um serviço de ação política e social, para maiores de 18 anos”, descreve Pinho.
Resistência e luta
No livro, Pinho descreve oposições, revoltas e frustrações durante o regime. Um dos principais opositores foi o general Humberto Delgado, que alargou a revolta contra a ditadura em 1926. Com ele surgiram outros movimentos de luta, como o dos católicos progressistas e o próprio Partido Comunista Português, do qual Pinho foi um dos activistas. Delgado lutou por anos contra a ditadura, até ser exilado no Brasil. Na volta à Europa, quando estava na Espanha, foi atraído por militares da ditadura e executado com um tiro na cabeça na fronteira com Portugal, em 1965.
Pinho descreve no livro um dos momentos em que Covilhã mais mobilizou-se contra o regime. Em maio de 1958, Humberto Delgado, então candidato à presidência da República (perdeu a eleição, depois de fraude na votação, com a vitória do candidato de Salazar) visitou Covilhã e foi recebido por uma multidão. “Foi a partir daí que deu-se origem à resistência na Covilhã, com o envolvimento de jovens e a organização de trabalhadores”, escreve Pinho, lembrando que ele mesmo era um dos jovens que, a partir daquele momento, pôs em risco a própria vida em nome da luta contra a ditadura.
Até os mortos falam
No livro “Lutaram e Sofreram por Abril”, dos professores António Rodrigues de Assunção e Casimiro Lopes dos Santos, citado por Pinho, foi narrada a resistência no Concelho da Covilhã, onde constam os interrogatórios e depoimentos dos presos apresentados pelos próprios agentes inquisidores da PIDE. “Foram dias e noites de terror, onde os presos não tinham nenhum direito. E o lema era ‘falas a bem ou a mal, conosco até os mortos falam’. Ninguém pode sentir ou imaginar o que esses operários sofreram nas mãos de uma polícia que não recuava perante a mentalidade de homens treinados na crença de eles serem os defensores de uma civilização cristã, de Deus, pátria e família, na certeza de que aquelas pessoas eram traidoras, a serviço do comunismo internacional”, escreve Pinho.
Em 1968, Marcelo Caetano tomou posse como presidente do Conselho de Ministros, depois de um derrame cerebral em Salazar. A Primavera Marcelista foi um período de muitas greves e revoltas na Covilhã, onde operários lutavam por melhores condições de trabalho e contra a ditadura. Nos primeiros meses de 1969, na principal fábrica de lanifícios de Unhais da Serra, a Penteadora, trabalhavam cerca de 500 operários, entre os quais muitas mulheres jovens, entre 15 e 30 anos. Muitas delas eram ligadas à Juventude Católica Operária, e resolveram fazer greve por causa de um aumento no horário de trabalho. A greve saiu vitoriosa.
Covilhã também mobilizou-se em 1974, com a Revolução dos Cravos. Na manhã de 26 de abril de 1974, um pequeno grupo onde Pinho estava presente entrou na Câmara Municipal e, em nome do Movimento Democrático Português, destituiu pacificamente o presidente Craveiro de Sousa do cargo. O 1º de maio de 1974 foi a maior manifestação já realiza na cidade. Os manifestantes dirigiram-se ao Jardim Público, onde se concentraram e seguiram para a frente do Palácio dos Carneiros, onde a bandeira do Ministério das Corporações ainda estava hasteada. Pinho trepou no edifício e retirou a bandeira. A liberdade e a democracia, finalmente, havia chegado.
Luta pela liberdade
José António Pinho tem 85 anos e nasceu em Melo, Concelho de Gouveia. Começou a envolver-se na política em 1958, com a vinda do general Humberto Delgado a Covilhã. Até 1974, participou ativamente como militante do Partido Comunista Português e do Movimento Democrático Português. Em 1963, na vida militar, foi preso e dado como indesejável no Exército. Em 1969, nas pseudoeleições para deputados à Assembleia da República, colaborou ao lado do escritor covilhanense António Alçada Batista e, nas de 1973, como candidato pelo círculo de Castelo Branco.
Em 1986 integrou a Comissão de Honra de Mário Soares, nas eleições presidenciais contra Freitas do Amaral. Exerceu a atividade empresarial na área de eletrodomésticos, de combustíveis líquidos, gasosos e da restauração. Estudou no ensino público e na Universidade da Beira Interior. “Preso, torturado, escorraçado de toda emoção onde pudesse se agarrar, ouviu os seus carrascos falarem da perda da família distante, numa tentativa insucedida de o tornarem delator”, escreve Pedro Leitão, presidente da União de Freguesia de Cantar-Galo e Vila do Carvalho. “Seu exemplo de honradez é um símbolo da luta pela liberdade e democracia na Covilhã e em Portugal”, disse o presidente da Câmara Municipal da Covilhã, Vítor Pereira.
O livro
PIDE – 510 Presos do Concelho da Covilhã
120 páginas
Autor: José António Pinho
Âncora Editora, Lisboa


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