A Teoria Geral do Esquecimento
- Marcos Leite
- 14 de mar.
- 2 min de leitura
“O animal avançou, arrastando a perna, chorando tristemente. Ludo soltou a banana e agarrou-lhe o pescoço. Com a mão esquerda tirou a faca da cintura e enterrou-a na carne magra”.
O trecho acima é apenas um comovente pedacinho da obra Teoria Geral do Esquecimento, romance do aclamado escritor angolano José Eduardo Agualusa.
(…)
Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, interpretava a solidão como algo positivo ao considerar que a convivência social promovia coações, estragos e perigos para o homem intelectualmente superior. Corroborava assim com o pensamento de outro filósofo, o francês Jean de La Bruyère, para quem “todo o nosso mal provinha de não podermos estar sozinhos”. Pensamento que justificava como causa da viciação humana, no que considerava ser um esquecimento de si mesmo e de Deus.
Em seu tempo, Schopenhauer via a sociabilidade como perigosa e perversa porque conectava pessoas em uma maioria moralmente nociva e intelectualmente rude. Considerava que, depois da saúde, a tranquilidade espiritual constituía o elemento essencial da felicidade, neste caso, ameaçada pela sociedade.
Diante desses pensamentos filosóficos, o que podemos pensar a respeito quando a pessoa que se isola da sociedade não possui as capacidades intelectuais elencadas por Schopenhauer e La Bruyère? É nesta lacuna que o romance do escritor angolano trata do tema da solidão, do isolamento e, por consequência, do esquecimento.
Em Teoria Geral do Esquecimento, Agualusa conta a história de Ludovica, uma portuguesa que, isolada da sociedade, foi testemunha do desfecho dos eventos que culminaram na independência de Angola. Por mais que se trate de uma obra de ficção, a história é contada a partir de um diário escrito por Ludo, a personagem, o que aumenta a sensação de realidade.
Uma história envolvente que nos mostra até que ponto o ser humano é capaz de chegar por conta do isolamento. Nos faz questionar acerca dos fenómenos psíquicos e sociais que envolvem tais escolhas. Trata-se de um livro que aborda o tema da solidão e do isolamento com uma riqueza de detalhes que só os escritores mais sensíveis são capazes de descrever.
De uma pessoa vulnerável e dependente, cuja única companhia era o cão albino da raça Pastor Alemão, Ludovica transforma-se numa aguerrida sobrevivente, movida por um instinto que certamente desconhecia. Tudo isso em meio ao temor que pairava sobre Luanda após a Revolução dos Cravos. Em uma narrativa capaz de prender a atenção do leitor, a história nos transporta para muito além do cenário das guerras coloniais.
Teoria Geral do Esquecimento é, sem dúvidas, um livro capaz de provocar grandes reflexões e empatia. Afinal, se pensarmos bem, quanta gente não há por aí, esquecida dentro dos prédios das grandes cidades ou mesmo nas inúmeras aldeias que ainda insistem em dar vida ao que resta do interior de Portugal.
Seja como for, esta obra é um convite para que possamos observar o próximo, até mesmo quando ele mora ali…bem em frente à nossa casa.
Marcos Leite é cronista.

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